O Público entrevista Francisco Assis sobre Passos Coelho (não faço a ligação porque o artigo está fechado).
A leitura que o novo Presidente do Conselho Económico e Social faz do Primeiro-Ministro de 2011 a 2015 é uma visão do país e da política. Felizmente que muito provavelmente com pouco eco na governação desta crise em que estamos a mergulhar.
Para Francisco Assis, Passos Coelho optou pouco. Governou sobretudo os condicionamentos externos. E António Jose Seguro devia ter-se oposto ainda menos, mantendo o velho princípio (a que, em abono da verdade, o PS todo tradicionalmente aderia), de viabilizar os governos da direita, se necessário, para não provocar crises políticas.
Esta visão só não tem efeitos destrutivos sobre o PS na esquerda porque é um exercício meramente analítico sem impacto na definição de estratégias para o futuro. Até agora António Costa tem demonstrado, pelo menos no plano discursivo, a intenção de navegar nos próximos anos com rumo oposto ao que está implícito nas palavras de Assis.
Se é verdade um dos pressupostos de que parte, o de que a viragem para a austeridade começou ainda com o governo do PS, na passagem de 2008 para 2010 e se também é verdade que havia imposições exteriores, Assis apaga totalmente o “ir além da troika”, esquece que a estratégia de gestão do Memorando de Entendimento, se concentrou num choque recessivo, que se pretendia tão mais regenerador quanto mais intenso, que contraiu o PIB muito mais que o projetado sem aproveitar qualquer margem para o rever adequadamente em percurso e que a doutrina de política económica da paradoxal “austeridade expansiva” não era uma imposição mas um projeto.
Francisco Assis também opta por ignorar que o governo foi travado nos excessos porque houve pontos de veto na sociedade portuguesa que funcionaram, atribuindo a Passos Coelho uma moderação cujos autores principais foram, entre outros, a própria Constituição e uma abordagem dela pelo Tribunal Constitutional que usou de um extremo equilíbrio, nem impedindo o governo de governar nem permitindo os seus projetos que seriam mais gravosos e a ofendiam nos princípios.
No plano do Estado social, a sua visão é de um contentamento surpreendente para mim. Constata que não foi desmantelado. Mas não dedica uma palavra ao empobrecimento do país, agravado por opções próprias do governo e sendo agora Presidente do CES, não acha relevante falar do congelamento do salário mínimo e do indexante de apoios sociais, nem numa reforma do RSI que levou a que até o FMI então criticasse a sua inadequação para proteger os cidadãos contra a pobreza. Assim não tem uma palavra para a paralisação da negociação coletiva e a adoção de uma solução que levou a que até a CIP pressionasse o governo a retomar as portarias de extensão para manter alguma paz social.
Assis passa ainda por cima da redução da despesa com saúde e educação, de medidas fiscais penalizadoras das classes médias, de um ataque essencialmente interno e ideológico às relações coletivas de trabalho.
A tudo isto junta-se o apagamento das diferenças entre o governo de Costa e o de Passos, procurando não evidenciar nenhuma diferença estrutural de abordagem, como se as “contas certas” do segundo fossem a materialização do projeto do primeiro. Omite que Passos Coelho – no seu último e fatal erro político – arrasou completamente a mudança de rumo e o discurso patético de que ele próprio votaria no PS se este rumo funcionasse.
O apagamento do primeiro governo do PS não é uma distração, é uma necessidade do argumento. Se Assis comparasse os governos, teria que falar de como Costa teve que reagir a pressões da UE nos primeiros orçamentos a que Passos não resistiria. Poderia ter que dizer que em 2016 e em 2017 Passos Coelho teria continuado o percurso que traçara depois do fim do programa de ajustamento e não era ditado por nenhuma troika, mas era de caminho para um programa neoliberal para o país. Poderia ter que comentar a expressa vontade de rever a Constituição.
Outro acusarão Assis de querer branquear Passos Coelho. Mas não é essa a minha abordagem. Toda esta suavidade com Passos é o resultado da sua distância ao que de socialismo democrático houve nas escolhas do primeiro governo de Costa. E, mesmo que para meu gosto não tenha havido o suficiente, houve muito. É também um prenúncio de que não seria do CES que viria, em caso de nova viragem austeritária, qualquer posicionamento crítico ou empreendimento político inovador de consensos sociais que a limitassem.
O que o Presidente do CES nos diz nesta entrevista é que não contemos com ele para uma visão ousada, socialista democrática do Estado Social. Em nenhum ponto o seu discurso é inspirado ou inspirador, bafejado por qualquer brisa de energia reformista. Pelo que, para caminhar por aí temos que continuar a contar com o Governo, o Parlamento e algum sentido de progresso social que resulte na concertação social de alguma clarividência patronal, algum empenhamento do governo e alguma imaginação na frente sindical, sendo que nesta última, infelizmente parece que a CGTP recuou trinta anos.
O que está implícito no discurso de Francisco Assis é que em Portugal as diferenças de projeto político entre centro-direita e centro-esquerda são ténues e de pormenor. Se o PS partilhasse a sua leitura na saída da crise que aí vem cavaria a sua sepultura, assim como se a tivesse partilhado em 2015 teria impedido a vibrante ainda que incompleta recuperação social que o país teve.
Se for inspirado por esta visão, o seu mandato no CES não será impulsionador de uma nova visão para o diálogo social de que o socialismo democrático precisa como de pão para a boca. Mas, felizmente, uma das formas de ser Presidente do CES é a de ser um bom observador do trabalho dos parceiros e do governo. Olhemos, pois, para eles e para o que têm de inspirador a propor, porque da normalização da austeridade de 2011 a 2015 para interpretar que entre 2015 e 2019 não houve mudança de rumo não vem nada de bom.
Concordo na análise. Assis está para o PS como Rui Rio está para o PSD …
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Concordo. Estou indignada com a posição de Assis. Não prevejo nada de bom da sua nomeação. Estou enjoada.
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O país deve de facto algo a Passos Coelho:
o maior dano económico e social alguma vez infligido por um político ao seu próprio país e aos seus compatriotas, em nome de uma oportunidade de mudança para uma matriz ultraliberal, e aproveitando para culpar o PS pela maior crise financeira mundial dos últimos 100 anos!
Será isto que quis dizer Assis?!
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