Um aluno deve poder objectar livremente a algo que lhe pretendam ensinar e os encarregados de educação e o Estado e os professores têm o dever de garantir que existe nas escolas um clima de liberdade de opinião. Mas isso nada tem a ver com o direito de um pai negar educação para a cidadania, ou português, ou educação física aos seus filhos.
Os pais e a escola têm o dever de colaborar para que situações como a de Famalicão não se consumem em silêncio e apareçam ao debate tarde demais, quando já é impossível resolver pelo diálogo e em tempo as questões suscitadas, sem causar aos estudantes a situação de ficarem entre a espada e a parede, a escola e a família.
Mas não é nada disso que está em causa na tentativa dos setores ultraconservadores, que capturaram uns aliados de ocasião, de criar uma pressão sobre o currículo educativo que crie um precedente para as suas visões contra a escola democrática.
Dir-se-ia que estamos perante cidadãos radicalmente defensores da liberdade de escolha individual do destino dos seus filhos. Mas quantos destes subscritores defenderiam a liberdade de escolha dos pais como direito absoluto, por exemplo, na mudança de género dos filhos? Ou a liberdade de escolha das mulheres no aborto? A liberdade de escolha aqui é apenas um pretexto para encobrir a questão essencial – a oposição à escola laica, em defesa de uma escola em que cada segmento de opinião controla o que os seus filhos aprendem.
Hoje é a educação cívica, amanhã será a história ou às ciências naturais, hoje é a educação sexual, amanhã o evolucionismo e a historiografia contemporânea. Se esta ofensiva tivesse sucesso, acabaríamos numa educação ideologicamente programada pelos pais, que negaria os objetivos da escola em democracia.
O que está em causa nesta nova batalha do partido da chamada liberdade de escolha na educação é que a educação não é, ao contrário do que pensam, uma liberdade absoluta dos pais, mas um direito inalienável dos seus filhos, criando-se uma tensão entre essa liberdade e este direito em que cabe ao estado acautelar os direitos das crianças e jovens e à sociedade civil vigiar criticamente todos – Estado, famílias, escolas. Se houver atropelos à liberdade de opinião, corrijam-se, mas, de uma penada, negar a alguns jovens a educação para a cidadania, não.
A Constituição – que os mesmos setores não querem ver ensinada nas escolas – e a Declaração Universal dos direitos humanos são invocadas aqui em vão.
Caro Paulo
É preciso ter “visões” para ver aqui “uma oposição à escola laica”. Claro que tudo pode ser discutido.
Agora, quer juntar aqui temas como “evolucionismo e a historiografia contemporânea” é só para deitar areia para os olhos e evitar o debate. Etiquetar de “ultraconservadores também só serve para anular um debate que se quer plural.
Porque todos sabemos que as questões da sexualidade definem e constroem as identidades pessoais de um modo totalmente diferente que o evolucionismo ou a historiografia contemporânea. Todos sabemos como estes temas marcam (para o bem e para o mal) a história de cada pessoa. E que a construção da identidade de cada um exige a delicadeza e firmeza de todos os agente educativos. Não é uma ciência do certo e do errado! A maneira como uma criança/adolescente/jovem se confronta com estas questões deve ser sempre a partir das suas perguntas, do que é capaz de integrar na sua compreensão. Qualquer psicólogo dirá o efeito devastador de uma criança ser confrontada com temas que não é capaz de integrar.
Bem sei que há a dimensão dos Direitos Humanos. Mas, mesmo nessa perspetiva, é necessário suscitar o debate porque sem escolhas livres não há atos verdadeiramente humanos. E nas escolhas livres intervêem as considerações éticas que sempre se radicam numa certa visão do mundo (que não é nunca partilhada integralmente por todos… isso seria o totalitarismo).
Claro que concordo absolutamente consigo quando diz: “Os pais e a escola têm o dever de colaborar para que situações como a de Famalicão não se consumem em silêncio e apareçam ao debate tarde demais, quando já é impossível resolver pelo diálogo e em tempo as questões suscitadas, sem causar aos estudantes a situação de ficarem entre a espada e a parede, a escola e a família.”
Por tudo isso, creio que também ao estado compete não impor uma certa visão sobre estes assuntos.
Falta debate, que vá mais fundo que duas ou três etiquetas!
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